Em 2017 realizou-se a 22ª. Edição do Prêmio Tesouro Nacional, concurso que tem o objetivo de estimular a pesquisa na área de Finanças Públicas, reconhecendo os trabalhos de qualidade técnica e de aplicabilidade na Administração Pública.
O vencedor neste ano é Josué Alfredo Pellegrini, doutor em Economia pela USP e consultor legislativo do Senado Federal. Ele também é analista da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Baixar monografia – Josué Alfredo Pellegrini
Dadas a importância, consolidação do prêmio e o fato de Pellegrini estar vencendo o concurso pela segunda vez, segue a entrevista que a Esaf realizou com o autor. O título da monografia é “Reservas Internacionais: nível adequado, custo fiscal de carregamento e uso no resgate da dívida pública”.
Veja o que ele tem a dizer sobre sua pesquisa e o acompanhe na descoberta da magia dos números!
Já participou antes deste prêmio? Quando e com qual trabalho?
Participei em quatro ocasiões (2004, 2006, 2016 e 2017). Na primeira ocasião, a monografia tratou da autonomia do Banco Central. Não fui premiado. Suspeito que o tema não se enquadrou nas especificações temáticas do concurso. Já nos outros três anos, fui premiado (em primeiro lugar, em 2006 e 2017, e em terceiro lugar, em 2016). Em 2006, a monografia tratou dos dez anos da compensação aos estados prevista na Lei Kandir. Em 2016, tratou dos gastos tributários (conceitos, experiência internacional e Brasil). Em 2017, tratou das reservas internacionais.
O que são os 377,2 bilhões de reservas internacionais do Brasil? Estas reservas vêm de onde?
As reservas internacionais são geridas pelo Banco Central e correspondem a recursos em divisas (especialmente dólar) que o país detém para utilizar quando necessário, especialmente em períodos de crise econômica mais grave. Portanto, a reservas funcionam como espécie de seguro, utilizado pelo país para se defender de crises que de outro modo afetariam o desempenho da economia.
As reservas internacionais são aplicadas no mercado internacional, predominantemente em títulos emitidos por governos de países desenvolvidos. Portanto, esses recursos são aplicados com baixíssimo risco, o que implica em remuneração baixa também. Boa parte dos atuais US$ 380 bilhões (US$ 377,2 bilhões quando a monografia foi concluída) foram adquiridos entre 2006 e 2012. Nesse período, havia intenso fluxo de entrada de divisas no pais (de capital e de transações comerciais). Caso o Banco Central não adquirisse parte dessas divisas, poderia haver efeitos negativos sobre a economia. Os reais necessários para adquirir essas divisas vieram das operações compromissadas feitas pelo Banco Central, espécie de empréstimos em dinheiro junto ao mercado. Portanto, a aquisição de divisas se deu por meio do aumento do endividamento do governo federal.
Por que manter as reservas internacionais gera custos fiscais ao país? Seria porque a decisão tira do Brasil a possibilidade de aplicar as reservas em outras finalidades internas?
As reservas internacionais geram custos fiscais porque o rendimento obtido com elas no mercado internacional é, em geral, inferior ao custo da dívida pública, custo esse aferido pela taxa Selic. Assim, o governo adquiriu reservas que rendem pouco, aquisição essa financiada com dívida pública que custa muito. A diferença corresponde ao custo fiscal líquido (líquido do rendimento) que o país incorre todo ano ao manter as reservas.
Se o Banco Central decidisse vender parte das reservas no mercado de câmbio do país, poderia utilizar os reais assim obtidos para resgatar as operações compromissadas feitas inicialmente para financiar a aquisição de divisas. Conforme dito, essas operações correspondem à dívida pública. Nesse caso, as reservas estariam sendo utilizadas no pagamento de parte da dívida pública, o que levaria também à redução do custo fiscal líquido. É claro que o Banco central não pode vender grande parte das reservas, pois essas são necessárias para garantir o seguro contra crises internacionais.
O que significa carregamento de reservas?
Carregamento de reservas é simplesmente a decisão de manter reservas. O custo do carregamento é o custo fiscal explicado anteriormente. Se o Banco central atua no mercado de câmbio para adquirir divisas, ocorre aumento das reservas. Se a autarquia vende divisas no mercado de câmbio, ocorre redução de reservas. Mudar o destino das reservas significa desfazer-se delas para utilizar os recursos assim obtidos de algum modo, a exemplo do resgate da dívida pública, comentado na resposta à questão anterior.
Na prática, e resumidamente, como suas reflexões podem ajudar a economia do Brasil?
O principal problema atual da economia brasileira é a elevada dívida pública que também sobe continuamente por conta do déficit público. A melhor forma de resolver isso é promover um vigoroso ajuste fiscal (aumento de receitas e cortes de despesa). Mas o ajuste fiscal pode ser complementado também por medidas de ajuste patrimonial. A principal delas seria vender parte das reservas internacionais para ajudar a controlar a dívida pública.
A monografia teve como objetivo fornecer subsídios para orientar alguma possível decisão nesse sentido. Assim, a monografia analisou qual o nível adequado de reservas para se saber quanto poderia ser vendido; analisou o custo fiscal líquido do carregamento de reservas para saber quanto o país ganharia ao optar por vender as reservas excedentes; e analisou os cuidados a serem tomados caso se decida pela venda de parte ou da totalidade das reservas excedentes. Os principais cuidados seriam: vendê-las de modo gradual para evitar consequências sobre a economia e efetivamente utilizar os recursos assim obtidos no abatimento da dívida pública. Utilizar de outro modo, especialmente em gastos, seria o pior dos mundos, pois estaria se desfazendo de um ativo, sem qualquer efeito positivo sobre a dívida pública.
O que significa receber esta distinção de primeiro lugar?
Significa muito, pois é o reconhecimento do trabalho feito. Não temos muita noção da qualidade ou da relevância do que fazemos sem ter o retorno daqueles que leram o trabalho. E esse prêmio é um senhor retorno. É muito gratificante que o trabalho tenha sido considerado o melhor por uma banca examinadora de renome, dentre mais de 100 monografias de qualidade. O prêmio também é um incentivo para que continuemos no caminho, fazendo pesquisa na área de finanças públicas. Na verdade, é um incentivo não apenas para os que ganham, mas também para todos os que participam. Se não foi nesse ano, poderá ser no próximo.
Como aplicará o valor recebido? (risos). Não precisa responder se não quiser!
Não há problema em responder. Bem, uma boa parte já ficou com o leão, não é? O restante ainda não decidi. Meus filhos querem gastar. Mas estou mais propenso a poupar. Eles não sabem disso ainda.
Prosseguirá com seus estudos e pesquisas nesta mesma linha?
Com certeza, até porque já trabalho nessa área de finanças públicas, como analista da IFI. Quem sabe eu concorra outras vezes ao prêmio do Tesouro. Ganhei em primeiro em 2006 e agora em 2017. 2028 está logo aí.
O que acha do Prêmio promovido pela STN, patrocinado pela FGV e realizado pela Esaf?
Acho uma grande iniciativa. É uma decisão muito sábia da STN. Incentivar os pesquisadores a solucionar os problemas que ela mesma enfrenta no cotidiano. O retorno é certamente muito maior que o custo da organização.
Por falar em organização, a STN, a Esaf e a FGV formam uma ótima equipe, pois os concursos são sempre muito bem organizados e nos dão a segurança de que o mérito prevalecerá. É preciso parabenizar também os canapés oferecidos após a solenidade de entrega dos prêmios. Estavam excelentes.
Fonte: Esaf, publicado em dez. 2017